Representantes do governo de Nicolás Maduro e da oposição venezuelana sentam à mesa de negociação a partir desta sexta-feira, no México , para tentar negociar pela quarta vez nos últimos seis anos, sob forte desconfiança de grande parte dos venezuelanos. Para analistas ouvidos pelo GLOBO, para tentar impedir um novo fracasso , os dois lados precisam baixar as expectativas e pensar em mudanças em médio e longo prazo, deixando de lado caminhos extremos que já se mostraram falidos.
Uma coisa é clara: com a mudança de governo nos Estados Unidos, e o fim da retórica de confrontação impulsionada por Donald Trump , até então apoiada pelo governo interino do opositor Juan Guaidó, a saída de Maduro não será uma das pautas de discussão.
Entenda : Maduro diz que negociação com oposição começa em agosto no México e EUA podem participar
No primeiro encontro, provavelmente na Cidade do México, será apresentada a agenda das conversas, composta por sete pontos. O primeiro, e mais urgente, é o levantamento das sanções, incluindo um embargo ao petróleo por parte dos Estados Unidos. A oposição, por outro lado, pede condições eleitorais e um calendário que inclua eleições presidenciais, bem como a libertação de presos políticos — entre eles o ex-deputado Freddy Guevara, detido pouco antes da retomada das negociações.
Para Geoff Ramsey, especialista em Venezuela do Escritório de Washington para a América Latina (Wola), é "preciso ser muito cauteloso e realista" diante desse novo processo, em vista do fracasso de vários anteriores. Uma pesquisa da Dataincorp mostra que apenas 51% da população veem com bons olhos a iniciativa, o que ainda indica uma clara polarização na sociedade venezuelana.
— O que torna essa negociação diferente das outras é que, pela primeira vez, vemos a comunidade internacional unificada, com os Estados Unidos explicitamente oferecendo o levantamento de algumas sanções, em troca de avanços concretos na negociação — diz. — Os EUA e o resto da comunidade internacional estão abandonando a estratégia maximalista, que marcou vários dos processos anteriores. Agora, estão apoiando a oposição na busca por acordos parciais, graduais, dentro de um processo em longo prazo.
Na queda de braço com a oposição ao longo dos últimos anos, Maduro manteve o controle institucional e territorial, embora esteja cada vez mais isolado externamente. Guaidó, por outro lado, que contou com certa legitimidade internacional por um período de tempo, acabou perdendo o controle do Legislativo, após boicotar as eleições parlamentares de 6 de dezembro.
Agora, com o governo em clara vantagem, o líder opositor terá que reconhecer que estratégia do "tudo ou nada" implementada até agora não funcionou, avaliam os especialistas. Para Maryhen Jiménez, pós-doutoranda associada no Centro Latino-Americano da Universidade de Oxford, um dos maiores erros da oposição foi justamente subestimar Maduro e "não entender a capacidade persuasiva e coercitiva do chavismo".
— Muitos subestimaram e até ludibriaram o apoio que o chavismo ainda conta, que vai de 10% a 30% da população. Enquanto isso, o governo foi bastante astuto em semear dilemas dentro da oposição, o que a levou a perder tempo e o foco — afirma.
Divergências sobre eleições
Os especialistas também concordam que a prioridade dos dois lados é discutir questões humanitárias, que inclui a entrega de vacinas contra a Covid-19 para o país, passando pelo fim das sanções internacionais. Maduro e a oposição também buscam, cada um a seu modo, recuperar legitimidade junto aos atores internacionais.
Entrevista : Brasil é aliado estratégico da Colômbia, diz vice-presidente colombiana
— Maduro vai buscar, além do fim das sanções, o reconhecimento dos atores internacionais e da oposição, pensando não só em sobreviver mas também na sucessão do chavismo — afirma Jiménez. — A oposição, por sua vez, precisará recuperar legitimidade internamente, já que há uma grande insatisfação cidadã. A estratégia opositora se concentrou no boicote eleitoral e na pressão internacional, o que é importante, mas ocorreu às custas de perder as bases, os movimentos sociais, ou seja, parte da sociedade civil.
Por isso, avalia Ramsey, o fundamental agora é que se estabeleça algum mecanismo para envolver não apenas os atores políticos, mas a sociedade civil nas negociações.
— É necessário haver algum tipo de espaço para que os atores políticos possam trabalhar com ONGs de direitos humanos, vítimas, o setor privado, a Igreja e vários outros setores para garantir que qualquer tipo de acordo que saia desse processo seja sustentável pelo máximo de tempo possível.
Contexto : Presidente do México busca liderança no debate latino-americano ao propor substituição da OEA
A negociação no México acontece em paralelo a uma negociação interna à margem de Guaidó, liderada por Henrique Capriles, que resultou na libertação de alguns presos políticos e na posse de novas autoridades eleitorais — algo visto positivamente por EUA e União Europeia.
E acontece à medida que o país caminha para as eleições para prefeitos e governadores, em 21 de novembro. Nesse sentido, a oposição ainda segue dividida. Jiménez destaca que, embora haja uma ideia comum e compartilhada sobre a necessidade das negociações, não há coesão do lado opositor sobre o processo eleitoral.
— Enquanto um setor da oposição, liderado por Capriles, por exemplo, já disse que vai votar, assim como representantes do Ação Democrática, o Vontade Popular, de Guaidó, continua indeciso — afirma a venezuelana. — Por isso, é essencial que os candidatos opositores voltem a estar habilitados para concorrer, que sejam feitas mudanças eleitorais em longo prazo. É preciso que se estabeleça um processo real que se abra após as negociações.