WOLA: Advocacy for Human Rights in the Americas
16 May 2012 | Análisis | News

A Comissão da Verdade no Brasil é Parte do Processo da Reconciliação

Por Joe Bateman*

Hoje, depois de uma cerimônia no Planalto, os sete membros da Comissão da Verdade vão reunir-se para delinear o processo de dois anos no qual vão compilar a história das violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar. A Comissão vai apurar casos de tortura, desaparecimento forçado, ocultação de cadáveres, e mortos pelo Estado entre 1946 e 1988, ainda que ocorridos no exterior. O grupo terá o poder de pedir depoimentos, realizar audiências privadas e públicas, e ter acesso a todos os arquivos dos governos durante o período. Ao terminar o seu mandato no ano 2014, a Comissão vai mandar um relatório para a Presidente com os resultados da investigação, com os nomes dos responsáveis para os abusos. O âmbito da Comissão será limitado a investigar e revelar a verdade sobre os acontecimentos durante a ditadura militar e os anos antes e depois. Para a informação ser usado para processos penais, o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal deveria revisar a Lei da Anistia do ano 1979 que tem impedido que os casos de violações de direitos humanos avançem.
 
O papel imediato da Comissão da Verdade é claro: estabelecer um relato honesto sobre os abusos de direitos humanos cometidos entre 1946 e 1988 e acabar oficialmente com a cultura de silêncio e sigilo que tem encoberto a ditadura militar. Ainda que a Comissão da Verdade não inclua estipulações para processos penais, há algumas pessoas que esperam, e outras que temem, que a informação revelada pela Comissão vai criar o momento necessário para anular a Lei da Anistia, que torne impossível processos penais para as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar.
 
Ricardo Veiga Cabral, o presidente do Clube Naval, anunciou na segunda-feira que iam criar uma “comissão da verdade paralela” que dará conselho e acompanhamento nos depoimentos pedidos dos ex-militares. Na quinta-feira, vão reunir-se com os outros clubes militares para discutirem as suas preocupações com a Comissão da Verdade e como vão responder aos depoimentos.
 
Embora a lei que criou a Comissão tenha sido assinada em novembro passado, o decidir o seus membros durou quase seis meses, e a Presidente Dilma Rousseff anunciou as sete pessoas na sexta-feira. Os membros escolhidos são reconhecidos amplamente por o seu trabalho distinto nos campos de justiça e direitos humanos. A experiência deles inclui trabalho para três presidentes. Eles são: Paulo Sérgio Pinheiro, Secretário de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso; Cláudio Fonteles, Procurador-Geral da República no governo Lula; José Paulo Cavalcanti Filho, Secretário-Geral do Ministério da Justiça no governo José Sarney; José Carlos Dias, Ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso; Rosa Maria Cardoso da Cunha, a advogada que defendeu a Presidente Dilma Rousseff quando era presa política; Maria Rita Kehl, psicanalista, ensaísta, e comentadora política; e Gilson Dipp, atual Ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Dipp vai ser o primeiro coordinador para o grupo, mas todos vão exercer o papel durante os dois anos.
 
O primeiro passo no processo da reconciliação vai ser revelar o que realmente aconteceu e quem foi responsável. Investigar um período tão grande durante somente dois anos não será uma tarefa pequena para os sete membros da Comissão e o equipe de 14 pessoas adicionais. Para cumprir o seu mandato, a Comissão precisará da cooperação total de todos os níveis do governo, inclusive as Forças Armadas e o sistema da justiça.
 
O Brasil está atrás outros países da região em oficialmente lidar com o seu passado, mesmo assim a Comissão da Verdade ainda é polêmica no país. Algumas pessoas afirmam que expor os responsáveis dos crimes é uma forma de punição, todavia outros, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, enfatizam que o propósito da Comissão da Verdade não é a punição, mas a reconciliação. O Estado brasileiro e os seus cidadãos deveriam decidir em dois anos se apenas saber o que passou é suficiente para fechar-se o período, ou se punir os responsáveis será o próximo passo necessário no processo.

*Joe Bateman é Oficial de Programas do Brasil e da Segurança Cidadã no WOLA.